Por Caroline Paulart
Em meio a muitas flores e plantinhas bem cuidadas, dona Cotinha, ou Constância de Almeida, guarda um tesouro muito valioso e que não é segredo para nenhum dos moradores do bairro Ferrari: quilos de roupas, calçados, brinquedos e até cobertores que serão levados para doação aos moradores de Pedra Azul e Cachoeira do Pedregeú, lá em Minas Gerais, já na divisa com a Bahia.
Nascida em Minas Gerais, mas moradora de Campo Largo há mais de 40 anos, Dona Cotinha (75) começou com este projeto em meados dos anos 90, quando levou doações para a irmã, que mora em Pedra Azul. Ao chegar com quatro malas cheias, viu pessoas que passam necessidade, isso a tocou muito e virou seu objetivo de vida ajudá-las. As doações acontecem a cada dois anos – para encher o furgão e ter tempo de arrecadar bastante coisa – e a Dona Cotinha faz questão de entregar pessoalmente o que é arrecadado. A próxima viagem acontecerá em janeiro de 2019.
“Eu sei que Deus não quer que eu pare esse serviço, porque lá é muita pobreza. Tem crianças de 10 anos que vêm me encontrar com a mãozinha posta para pedir bênção e com a outra mão está cobrindo as partes íntimas. É uma realidade muito triste, que me machuca muito”, relata.
“Às vezes, as pessoas me doavam uma bonequinha faltando perna e para não levar ela assim, eu sempre fazia uma de pano. Quando eu via os olhos daquelas crianças pegando uma bonequinha, mesmo sem estar nova e com uma perna de pano, saindo brincando dali, isso me emocionou muito”, conta.
Segundo ela, antigamente, ao dizer que eram bagagens para doação, não havia cobrança de frete, mas depois isso mudou e começaram a cobrar um real o quilo do frete. “Eu vendia latinhas, porque não tinha condições e não era aposentada. Eu levava sempre entre oito e dez malas. Deus me ajudou muito, porque eu consegui me aposentar e de cada aposentadoria que eu recebo retiro um valor que vai só para pagar o frete. Hoje o frete está na casa de cinco mil reais, um valor muito alto, mas toda a ajuda para esse pagamento é bem-vinda”, revela.
Tudo é muito bem organizado. Dona Cotinha tem o cuidado de sempre lavar tudo o que recebe e entregar com o “cheirinho de amaciante” nas roupas. Para esse trabalho ela conta com o empenho de toda a família, do marido e dos filhos. “Tudo é selecionado, mas nada é desperdiçado. Algumas roupas já vêm da doação bem arrumadinhas, limpinhas e eu apenas dobro do jeitinho certo para caber mais no lote. Outras eu preciso costurar ou lavar para que possam ser doadas”, diz.
Brinquedos também são consertados antes de serem enviados. Carrinhos sem rodinhas ganham rodas novas, brinquedos eletrônicos, como carrinhos de controle remoto, também recebem uma atenção especial.
As doações são levadas a um Centro Espírita na cidade, onde as melhores peças são retiradas para um bazar beneficente, que volta o dinheiro para que as pessoas possam pagar ônibus e ir às cidades vizinhas fazerem consultas e exames. “Até mesmo a Prefeitura lá é muito pobre, não há ambulâncias para levar os doentes, por isso eu ajudo o bazar também”, conta.
Dois lados, um mix de sentimentos
“Por um lado eu fico triste em ter que fazer isso. Eu olho a pobreza lá, mas ao mesmo tempo me dá ânimo para continuar. Confesso que minha família acredita que há um desgaste muito grande, que eu já sou muito idosa para continuar, mas eu oro para que Deus me dê forças e que eu ainda possa fazer esse trabalho por muitos anos”, conta.
Uma grande corrente
Dona Cotinha conta com a ajuda dos amigos e vizinhos para fazer esse trabalho. “No início eu pegava até roupa da lixeira, mas hoje meus vizinhos me ajudam muito. Nós sempre recebemos doações de várias pessoas, vizinhos aqui do bairro e gente que vem de fora para ajudar. Formamos uma grande corrente em prol daquelas pessoas”, diz.