Por Caroline Paulart
Salvar uma vida é privilégio de poucos ao longo de uma trajetória. Mais raro ainda é salvar a vida de alguém usando uma parte de si. Alessandro dos Santos não pensou duas vezes quando pôde doar medula óssea ao seu irmão mais novo, Daniel dos Santos, que estava lutando desde o início de 2018 contra a leucemia bifenotípica - uma mistura de dois tipos de leucemia.
“Um dia, nós estávamos sentados conversando e eu falei pra ele ‘você é sangue do meu sangue’. Isso fez sentido para nós só um tempo depois, quando eu fui o único irmão compatível para doar medula para ele. Nós somos em seis irmãos e eu tive essa honra”, relata, emocionado, Alessandro.
Como tudo começou
Os sintomas da doença de Daniel começaram a aparecer ainda no início deste ano, após uma viagem ao litoral. “Eu fui para a praia com os meus irmãos, quando comecei a ficar muito cansado. Quando voltamos embora, não aguentava fazer quase nada, então minha mãe mandou eu ir no médico. Eu fui no posto de saúde próximo da minha casa e ele pediu exames do coração e sangue. Quando viu o exame de sangue, reparou que estava muito alterado, então me encaminhou ao Centro Médico para que eu fizesse transfusão. Não consegui fazer lá, então fui transferido ao São Lucas, e recebi cinco bolsas de sangue, fiquei dois dias internado e me mandaram para o Hospital Erasto Gaetner, em Curitiba”, relembra Daniel.
Apesar do encaminhamento, Daniel decidiu não contar à família que faria uma consulta no hospital, especializado no tratamento e atendimento de pacientes com câncer. Ele foi acompanhado de um amigo, onde passou por uma palestra, por uma pré-consulta e uma bateria de exames completa, retornando dois dias depois.
“Eu estava com o coração na mão quando entrei na sala dele. Quando ele me disse que eu tinha leucemia meu mundo caiu, eu fiquei sem chão e comecei a chorar. Eu não pude voltar embora, nem contei para a minha família, foi meu amigo que me acompanhou que contou para eles”, relembra. Após 17 dias de internamento ele voltou para casa, já sem cabelos e bastante magro.
Busca pelo doador
Daniel já havia sido questionado pelos médicos se ele teria irmãos com idade para serem doadores, pois haveria necessidade de realizar um transplante de medula óssea. “Meus irmãos fizeram o teste de compatibilidade. Um deu certo, que foi o Alessandro. Foi um dos melhores dias da minha vida. Ele era 100% compatível, nós já começamos a chorar e nos abraçamos. Foi muito especial, porque achar um doador é muito difícil, então ter alguém tão perto era estar mais próximo da vitória”, conta Daniel emocionado. “Foi muito emocionante, a médica nos olhou e contou que eu era compatível, nós choramos muito. Eu olhei para ele e falei ‘viu piá, eu falei que ia dar certo’”, completa Alessandro.
Antes de receber a doação, Daniel passou por um momento delicado e que ficou marcado para seu irmão. “’Estourou o cateter’ dele e ele ficou mal, quase ‘foi embora’. Ele mandou mensagem no grupo da família dizendo ‘família, hoje quase fui embora, mas agradeço por tudo o que vocês fizeram’. Nós, imediatamente, apoiamos ele e falamos para ele ter confiança, que nós estaríamos lá por tudo”, relembra.
Início do tratamento pré-doação e procedimento
Antes de conseguir doar as células-tronco ao seu irmão, Alessandro precisou passar por um tratamento rápido. “Eu precisei, por cinco dias, tomar uma injeções dias para produzir células a mais e poder doar para ele. Não foi dolorido, nem incômodo”, diz. Para receber a doação, Daniel precisou passar por quimioterapias intensas e radioterapias em todo o corpo.
No dia da doação, Alessandro não precisou passar por procedimento cirúrgico, apenas para colocação do cateter. “Foi apenas para o momento da doação e que depois logo foi retirado, porque eu não tinha veias grossas. Não precisei passar por nenhum procedimento cirúrgico, apenas fiquei por quatro a cinco horas ligado à uma máquina que captava as células que meu corpo tinha produzido enquanto eu tomei o remédio. Não doeu nada e dali em diante já pude voltar à minha vida normal, sem qualquer problema”, relembra.
A data em que Daniel recebeu a medula foi muito simbólica, no dia 21 de setembro de 2018. “Dia do meu aniversário de 26 anos, dia em que eu, literalmente, nasci de novo”, relembra. Agora, Daniel precisa ter alguns cuidados pós-transplante, como com a higienização de alimentos, com sol, evitar tumultos, entre outros.
Coração falando mais alto
Pedimos para que os irmãos – entrevistados em dias diferentes – deixassem uma mensagem um ao outro. “Quero dizer que eu amo muito o meu irmão e que se fosse preciso eu faria tudo isso de novo e de novo. Foi algo tão simples que eu fiz, mas que salvei a vida de uma das pessoas mais importantes da minha vida, que é o meu irmão”, diz Alessandro.
“Queria te agradecer por ter salvado minha vida. Essas gotinhas que estão dentro do meu corpo são uma parte de você que corre em mim e eu estou muito feliz porque você me deu a chance de ser feliz de novo, me deu a chance de viver e ficar perto da minha família. Eu te amo muito, obrigado de novo por ter salvado minha vida. Eu nunca vou poder pagar isso para você, mas peço que Deus te retribua por esse ato tão grande. Que Ele abençoe você e a nossa família hoje e sempre. Te amo, meu irmão”, finaliza Daniel.
Doutor explica
A Folha de Campo Largo conversou com um dos médicos de Daniel, o hematologista e especialista em transplante de medula óssea Dr. Apoena Alves Lobato, que explicou que o método de transplante usado nesse caso foi o aférese. “Esse método é o mais indicado para adultos que possuam doenças classificadas como aguda de médio e alto risco. O paciente que possua um doador, aparentado ou não, precisa ter a doença sob controle para ser submetido ao transplante. São feitas quimioterapias de cinco a seis dias de duração, destruída aquela medula que porta a doença e colocada uma nova, que é a do doador. Tudo isso via intravenosa e que pode dar uma chance de até 70% de cura, o que é muito alto, se comparado aos 30% a 40% de chances em fazer o tratamento somente com quimio.”
O médico explica ainda que existem outros métodos para a realização de transplante, como o tradicional, feito no centro cirúrgico – que consiste na retirada da medula óssea por meio de punção –, pelo cordão umbilical – que é pouco usada no mundo, já que é muito cara e complicada – e também o transplante haploidêntico - onde o paciente e o doador são irmãos mas não são 100% compatíveis. Vale ressaltar que o doador tem autonomia de escolher o método que será usado no procedimento, ficando a critério do médico a aprovação.